Durante a 29a Conferência do Clima (COP29) em Baku, Azerbaijão, especialistas do SEEG, sistema de estimativa de emissões do Observatório do Clima (OC), lançaram dados preliminares de 2024 que dão a dimensão do problema do fogo do Brasil. Entre janeiro e outubro deste ano, 27 milhões de hectares arderam no Brasil. A maioria (74%) foi de vegetação nativa como florestas, savanas e áreas de pastagens e a outra parte (27%, ou quase 8 milhões de hectares) foi de florestas sensíveis ao fogo, ou seja, que não deveriam queimar em condições normais. A maioria absoluta dos incêndios florestais (90%) aconteceu na Amazônia. O lançamento dos dados teve participação do IEMA.
“Houve um aumento de 5,7 vezes na área de floresta queimada no Brasil este ano em comparação com o ano passado, e um aumento de 6,2 vezes na Amazônia — e este ano não acabou ainda”, conta Ane Alencar, diretora científica do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM).
Em setembro, 60% do Brasil ficou mergulhado em fumaça de queimadas vindas principalmente do Pantanal e da Amazônia. Este ano, quase 19 milhões de brasileiros foram afetados pela fumaça e os prejuízos passaram dos R$2 bilhões.
Os números são preocupantes por si mesmos, mas o mais alarmante, prossegue Alencar, é que eles não estão computados no recálculo do que seria a Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC, em inglês) ideal do Brasil, gerada pelo Observatório do Clima, que organiza o SEEG anualmente. De acordo com o cálculo do OC, para ficar alinhado com as metas estabelecidas pelo Acordo de Paris, o Brasil precisaria, até 2035, reduzir suas emissões de gases de efeito estufa entre 87% e 106% em relação aos níveis de 2005 — ou seja, o país não apenas deveria zerar as emissões de carbono, mas também absorvê-lo da atmosfera.
Segundo David Tsai, coordenador do SEEG e gerente de projetos do Insituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA), a redução é tecnicamente viável mesmo em um cenário em que a economia do país continua a crescer. Os pilares desse cenário, aponta Tsai, são quatro: o primeiro é o desmatamento zero e a recuperação dos danos ambientais causados pelo desmatamento; o segundo é a agricultura de baixo carbono e a captura de gases de efeito estufa pelo solo; o terceiro é a transição energética para longe dos combustíveis fósseis; e o quarto, a melhoria no gerenciamento de resíduos. Idealmente, até 2035 o Brasil precisaria reduzir 92% de suas emissões em relação a 2005 para se manter no caminho certo.
O desafio parece difícil e realmente é: se a mudança de uso da terra representa quase metade das emissões de gases de efeito do Brasil, o desmatamento responde, sozinho, por 98% dessa fatia, conta Alencar. Dentro dessa fatia, a Amazônia é o bioma que responde, de longe, pela maioria das emissões provindas do desmatamento: em 2023, foram 65% do total.
Mas as queimadas podem colocar tudo a perder, já que não entram na conta. As emissões por queimadas são um grande ponto cego que precisa ser abordado. “O IPCC não conta com as emissões de queimadas”, diz Alencar.
“Precisamos olhar para as emissões de cada setor, mas também as que não entram no inventário”, diz Gabriel Quintana, analista em clima e emissões do Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora). Colocando estas emissões na conta, as projeções para o setor agropecuário em 2025 são de 751.6 milhões de toneladas de carbono equivalente. O número é alto, mas pode ser bem menor — segundo projeções do Observatório do Clima pelo SEEG, o agro brasileiro poderia emitir 210,5 milhões de toneladas ao invés de 751,6 milhões se algumas práticas e políticas forem adotadas. Entre elas está a recuperação de 22,5 milhões de hectares de áreas degradadas e a eliminação completa da queima para limpeza de resíduos da cana-de-açúcar.
A perspectiva pode ser positiva, mas boa vontade e números sólidos não bastam para chegar a este resultado, segundo Quintana. Para chegar lá, é preciso que o agro tenha um plano com objetivos específicos e seja transparente em relação aos critérios usados para chegar a tais objetivos, diz o pesquisador.
Por outro lado, números sem justiça climática, por mais que pareçam ambiciosos, nunca serão realmente ambiciosos, diz Jarê Aikyry, do Engajamundo. “Os números obviamente são importantes, mas não são o centro [das discussões]”, observa. Objetivos precisam incluir pessoas jovens, indígenas, crianças. “Uma NDC ambiciosa é uma que fala da demarcação de territórios quilombolas e indígenas, porque sem eles, nunca vamos diminuir o desmatamento (…) — estamos morrendo todos os dias por causa disso”, desabafa.
Também participou do debate Alexandre Prado, líder em mudanças climáticas do WWF-Brasil, e Isis Nóbile Diniz mediou o encontro. Prado levantou as problemáticas sobre o financiamento para conter as emissões. Os recursos podem ser provenientes de meios particulares e privados.
Por fim, Tsai ressalta que, quando as emissões ligadas ao desmatamento reduzirem, o problema central no país se voltará para o setor de energia. Este é um gargalo. Transportes correspondem a quase metade de tudo que é emitido no setor no país. E para diminuir suas emissões é necessário um planejamento integrado. Algo pouco otimista no país.